Qual é o saldo do encontro entre Bolsonaro e Trump nos EUA?
(Foto: Agência Brasil)
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SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) concluiu, na última terça-feira (19) sua primeira agenda bilateral no exterior. No terceiro dia de visita a Washington, o mandatário reuniu-se com o presidente norte-americano Donald Trump, em um encontro marcado pela troca de afagos entre os líderes e a confirmação de acordos, em grande medida, já esperados.
Entre as iniciativas, estão a autorização para uso comercial da base militar de Alcântara, no Maranhão, o fim da exigência de vistos para cidadãos dos EUA, Canadá, Japão e Austrália que forem visitar o Brasil e uma parceria entre a Polícia Federal e o FBI para a troca de dados biométricos sobre investigados nos dois países.
No campo político, a crise venezuelana também ganhou atenção especial, embora poucos detalhes tenham sido expostos pelos chefes de estado. Diante da correspondência de visões, Trump classificou o Brasil como aliado estratégico fora da Otan e acenou favoravelmente ao pleito brasileiro de ingresso à OCDE, desde que o país abra mão de seu "tratamento especial e diferenciado" na OMC.
Para entender melhor o significado do encontro e dos resultados alcançados, o InfoMoney ouviu dois especialistas no assunto. Veja os destaques de cada análise:
Pedro Costa Júnior, professor do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, e autor do livro "O poder americano no sistema mundial moderno: colapso ou mito do colapso?"
O encontro entre Bolsonaro e Trump mostrou-se exitoso do ponto de vista de comunicação política, com a associação do mandatário brasileiro à imagem do norte-americano, mas também traz um duplo risco tático, segundo o especialista.
Um deles seria a excessiva aproximação de um governo específico, em um momento em que as perspectivas para a reeleição de Trump no ano que vem são incertas. O outro seria a falta de clareza acerca dos ganhos que tal movimento pode implicar ao Brasil.
"Bolsonaro se comporta como um trumpista, mais do que um americanista. Isso pode trazer problemas, já que Trump está no meio do mandato e enfrentará uma eleição duríssima", observa.
"Já tivemos presidentes americanistas, mas nunca um presidente governista, tão identificado com um governo específico. Nem [o general João Batista] Figueiredo (1979-1985), que tinha identificação com Ronald Reagan [chegou a esse ponto]. Ele chegou a um limite na Guerra das Malvinas, quando apoiou a Argentina", lembra.
Para Costa Júnior, caso os democratas acabem com os planos de reeleição do presidente, as relações entre Bolsonaro e o novo comando em Washington podem começar desfavoráveis. O fato de o brasileiro não ter articulado nenhuma reunião com lideranças relevantes do Partido Democrata reforça essa percepção.
Outro destaque do encontro teria sido a crise na Venezuela. No entendimento do professor, uma aproximação demasiada do governo brasileiro com o norte-americano poderia cobrar o preço de um envolvimento indesejável na tensão em Caracas.
Embora hoje a opção da intervenção seja refutada pelos militares brasileiros, o especialista diz que o cenário pode mudar, sobretudo se houver maior pressão norte-americana. "Bolsonaro fala fino com Washington e grosso com Caracas. Os generais aqui descartam [uma intervenção], mas não sabemos o tipo de pressão que pode vir da Casa Branca", conclui.
Denilde Holzhacker, cientista política, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
As novas indicações de relações especiais mantidas com os Estados Unidos reforçam um discurso que vem desde a campanha eleitoral, embora ainda falte clareza sobre os caminhos da política externa brasileira ao longo dos próximos anos e como a relação mantida com outros importantes parceiros comerciais seria equilibrada neste novo contexto.
"Não temos muita clareza sobre como Bolsonaro vai equilibrar essa relação especial com os EUA e as outras relações estratégicas, como a China e outros países da América do Sul. O maior risco é com relação a esses outros parceiros, como equilibrar nessa agenda de aproximação com os EUA com a agenda da China e dos BRICS. Vai ser um exercício de conciliar esses interesses", observa.
No que diz respeito à crise venezuelana, a especialista vislumbra uma expectativa norte-americana de que o Brasil vai exercer mais pressão, posições e sanções mais duras. Mas ela ressalta que o documento final ainda deixa margem para uma saída negociada e uma tentativa de usar mecanismos diplomáticos.
"Apesar da retórica de que é preciso pressão, o Brasil tem sido mais resistente [a adotar posições mais drásticas]. Esse tema vai ficar na agenda por algum tempo, com dificuldade ainda maior em conseguir fazer as mudanças", aponta.
Além do impasse geopolítico regional, a pauta comercial também foi destaque no encontro. Neste caso, Denilde chama atenção para o apoio dos EUA à entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Como moeda de troca, o Brasil terá de abrir mão de seu "tratamento especial e diferenciado" na OMC (Organização Mundial de Comércio).
"A entrada na OCDE era algo que o Itamaraty defendia. Isso nos coloca em outra posição nas negociações. Também mostram mudanças na política comercial brasileira. Pode haver setores afetados imediatamente, mas no geral a discussão envolve uma visão que o Brasil sempre defendeu dentro do sistema de comércio internacional", avalia.
"A retórica para as bases será de como o Brasil consegue sentar à mesa com os países desenvolvidos e mudar posição. Do ponto de vista prático, precisamos esperar para ver os resultados, se vai haver avanço comercial", pondera.
Também no campo comercial, o Brasil concordou em implementar uma cota anual de importação de 750 toneladas de trigo a tarifa zero. O acordo também estabelece condições técnicas para permitir a importação de carne de porco norte-americana pelos brasileiros.
Em contrapartida, os EUA concordaram em enviar inspetores ao Brasil para uma visita técnica de auditoria ao sistema brasileiro de inspeção de carne bovina, para que os frigoríficos brasileiros possam voltar a exportar aos norte-americanos.