Com mudança em visto, brasileiros correm para investir mais de R$ 2 milhões nos EUA
Em 2018, Brasil ficou em sexto lugar entre países com mais vistos emitidos por meio do EB-5
Foto: Sam Hodgson/The New York Times
Desde 2016, o brasileiro Bernardo Schucman, 39, sonha em morar nos Estados Unidos.
O plano ainda não tinha uma previsão para ser concretizado. Há três semanas, porém, teve de adiantar o início dos procedimentos para tentar viver legalmente nos EUA.
Ele, que mora em Florianópolis (SC), corre contra o tempo para investir mais de R$ 2 milhões que lhe permitam mudar para o país norte-americano junto à família.
Assim como Bernardo, a médica veterinária Marília, 30, planeja morar nos EUA e também precisou agilizar seus planos: deve investir mais de R$ 2 milhões nas próximas semanas para se mudar para os Estados Unidos com o marido.
Bernardo e Marília são exemplos de brasileiros que querem recorrer com urgência ao programa EB-5, destinado a estrangeiros que planejam investir nos EUA.
O principal objetivo de quem aplica no programa é conseguir o green card, o visto que garante residência nos Estados Unidos.
A urgência se deve ao fato de que o valor atual do EB-5, que exige investimento de US$ 500 mil (mais de R$ 2 milhões, na cotação atual) do interessado no visto, vai ser reajustado a partir de 21 de novembro, quando a quantia mínima a ser investida sobe para US$ 900 mil —cerca de R$ 3,6 milhões na cotação atual.
Apesar de oficializado agora, o aumento é discutido há anos.
O interesse pelo programa teve expressivo aumento, por quem ainda quer se inscrever pelo valor vigente.
"Sempre existiu crescimento na busca pelo EB-5 entre agosto e setembro, porque o programa é renovado nessa época. Mas neste ano, com a oficialização do aumento, a busca pelo programa entre brasileiros mais do que dobrou", afirma o consultor Fernando Mello, especialista em investimento em EB-5 do Global Business Institute.
Assim como outros brasileiros que recorrem ao EB-5, os principais objetivos de Bernardo e Marília são fugir da violência e da crise econômica no Brasil.
Conforme especialistas consultados pela BBC News Brasil, os dois motivos costumam ser os mais citados por aqueles que buscam o visto.
Nos últimos anos, os números de brasileiros inscritos no EB-5 cresceram exponencialmente.
Em 2018, conforme o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA —em inglês, USCIS—, foram emitidos 388 vistos EB-5 a brasileiros.
O número inclui o investidor e família, como cônjuge e filhos de até 21 anos.
Em 2017, 282 brasileiros receberam vistos EB-5. Em 2016, foram 150. Já em 2015, apenas 34 brasileiros receberam o visto.
O número de investidores no Brasil era ainda mais inexpressivo em 2011, quando somente 11 pessoas se mudaram para os EUA por meio do programa de investimentos.
No ano passado, o Brasil ficou em sexto lugar entre os países com mais vistos emitidos por meio do EB-5.
A China liderou a lista, com 4.642 vistos. Em segundo lugar apareceu o Vietnã, com 693 vistos emitidos, e, em terceiro, a Índia, com 585.
O aumento nos valores
Criado pelo Congresso americano em 1990, o programa EB-5 tem como principal objetivo fomentar a economia em áreas consideradas menos privilegiadas em território americano, locais conhecidos como Targeted Employment Areas (TEA) —áreas com índice de desemprego acima da média nacional e de pouco desenvolvimento.
Até 20 de novembro, o investidor interessado precisa aplicar US$ 500 mil em algum projeto de um centro regional em território americano.
Tais centros são responsáveis por intermediar a relação entre o imigrante, representado por um advogado, e o projeto que pretende levantar recursos por meio do EB-5 para iniciar ou concluir a obra.
Os projetos que oferecem cotas a estrangeiros costumam estabelecer que 25% a 50% de seu capital serão obtidos por meio do EB-5.
A exigência do governo americano é que o recurso aplicado pelo investidor seja comprovadamente lícito e que cada cota de investimento estrangeiro gere pelo menos dez empregos em dois anos.
Para aplicar no EB-5, há dois modelos distintos. Um deles é o "loan" —empréstimo, em inglês—, considerado o mais seguro e comum no mercado.
Nele, o desenvolvedor do projeto tem a obrigação de devolver ao investidor estrangeiro, caso o projeto prospere, os US$ 500 mil em um prazo de ao menos cinco anos.
Neste caso, o investidor não possui participação no empreendimento e tem o retorno do valor com juros que variam de 0 a 3% ao ano.
O outro modelo é o "equity", considerado mais arriscado, mas com taxas de retorno maiores. Esse costuma ser menos procurado pelos estrangeiros.
Nele, o investidor se torna sócio do empreendimento e recebe participação nos lucros, a ser definido em cada situação, em caso de o projeto ser bem-sucedido.
Entre os empreendimentos que atualmente oferecem cotas de EB-5 estão hotéis, resorts, estádios de futebol, condomínios de luxo, centros de compras, restaurantes, entre outros.
O governo americano permite a concessão de 10 mil vistos EB-5 por ano —número que inclui o investidor e os membros de sua família.
Uma segunda opção para investimentos no EB-5 é por meio da criação do próprio projeto do estrangeiro nos Estados Unidos.
Nesse caso, ele deve, atualmente, investir US$ 1 milhão (valor que sobe para US$ 1,8 mi em 21 de novembro), comprovar a origem do recurso e elaborar um plano de implantação do negócio.
Posteriormente, deverá comprovar a contratação de dez empregados. Nesta condição, que é pouco procurada, a área não precisa ser considerada TEA.
Regas mais rígidas
Os US$ 500 mil ou o US$ 1 milhão são cobrados desde 1990. Há cerca de dez anos, alterações nos valores são discutidas.
Aqueles que defendem as novas regras ressaltam que o programa é um dos mais baratos do mundo —na Inglaterra, por exemplo, programa semelhante custa 2 milhões de libras (mais de R$ 9 mi).
O pacote de alterações no EB-5 foi publicado pelo Departamento de Segurança Doméstica dos Estados Unidos em junho.
Outra alteração que valerá a partir de 21 de novembro é a definição sobre as áreas consideradas TEA. Atualmente, as próprias autoridades estaduais podem definir os locais que se enquadram para receber os investimentos estrangeiros.
"Os órgãos estaduais de recenseamento são muito mais flexíveis nas definições das áreas aptas a receber EB-5, pois sabem que o programa traz recursos para aquela região", explica o advogado George Cunha, especializado em direito internacional privado.
"Esses responsáveis pelos projetos conseguem, através de seus advogados, enquadrar as áreas de seus empreendimentos como TEA, mesmo situadas em grandes centros urbanos como Miami, Manhattan e São Francisco. A cidade de Nova York é campeã nessa prática. Muitos críticos do programa dizem que isso desvirtua os objetivos do programa, que é apoiar áreas em desenvolvimento."
Com as novas regras, a expectativa é que as definições sobre as áreas que possuem as características para receber recursos de EB-5 sejam mais rígidas.
O Departamento de Segurança Doméstica dos Estados Unidos se tornará o responsável por analisar e definir se os projetos estão em regiões consideradas TEA.
"Grandes centros podem deixar de ser considerados locais adequados para investimentos do EB-5", completa o advogado.
Essa é uma das preocupações de Bernardo Schucman para agilizar sua busca pelo visto.
"Com as mudanças, sinto que as definições sobre as TEA devem ser totalmente alteradas. Então, prefiro me garantir", diz o cientista da computação, que possui empresas na área no Brasil.
Por meio do EB-5, ele planeja investir em um complexo de corridas equestres.
Investidores de última hora
Bernardo prevê que deverá gastar cerca de R$ 2,3 milhões, na cotação atual do dólar —o que inclui trâmites burocráticos, como a contratação de um advogado especializado, a taxa de administração do fundo de aplicação e taxas referentes aos procedimentos migratórios. Tais serviços não saem por menos de US$ 60 mil.
A veterinária Marília, que é recém-casada, sonha em engravidar e ter o filho nos Estados Unidos. Ela comenta que repensaria a decisão de buscar o EB-5, caso tivesse de investir US$ 900 mil em vez de US$ 500 mil. "Com esse novo valor, provavelmente engravidaria e teria meu filho aqui no Brasil, para depois pensar se iríamos recorrer ao EB-5", conta.
Ela e o marido ainda avaliam em qual projeto irão investir. "Devemos definir tudo no início de setembro, para que possamos fazer o investimento logo, pois não queremos perder o prazo."
Alguns especialistas aconselham que os investidores que querem aplicar no EB-5 de US$ 500 mil devem iniciar os procedimentos até meados de outubro.
"O ideal é que os trâmites comecem o quanto antes, para evitar riscos e para que o estrangeiro tenha tempo de entregar os documentos necessários, além de aplicar o dinheiro. Diria que o prazo máximo para isso é 30 dias antes de 21 de novembro", afirma a advogada americana Carmen Arce, da Arce Immigration Law.
George Cunha, por sua vez, afirma que o prazo ideal é 60 dias antes das alterações, para dar tempo de que "sejam resolvidos eventuais problemas com documentações ou outros procedimentos".
As consequências do aumento
Especialistas acreditam que o aumento no valor do EB-5 deverá reduzir a busca pelo visto a partir de novembro. "Hoje já não são muitas pessoas que têm capacidade financeira de investir US$ 500 mil", diz Daniel Toledo, especialista em Direito Internacional do escritório Loyalty Miami.
"Mas não penso que a busca entre os brasileiros vá diminuir significativamente. Quem já faz parte dessa classe mais avantajada ainda terá condições para aplicar no EB-5. Geralmente, quem faz esse visto são pessoas que têm patrimônio para isso e não vão vender todos os bens para conseguir esse recurso", completa Toledo.
O brasileiro André Salles, diretor de investimentos da Driftwood Acquisitions & Development, empresa que recorre a recursos do EB-5 para a elaboração de seus projetos imobiliários, também acredita na diminuição da busca de estrangeiros pelo projeto.
"[Mas] não vemos grandes impactos em nossos negócios. Apesar de o valor mínimo de investimento ter aumentado, avaliamos que ao menos 75% dos investidores atuais continuariam aplicando no EB-5, mesmo com o valor de US$ 900 mil. Além disso, com o aumento de 80% no valor mínimo, podemos suportar uma redução de até 44% na quantidade de investidores, pois o volume total captado continuará o mesmo", declara.
No Congresso americano, há políticos que defendem que a aplicação no EB-5 volte a ser US$ 500 mil, ou um valor mais próximo, para evitar redução nos números de estrangeiros que recorrem ao programa. Porém, discussões sobre o tema ainda são incipientes.
"Existe a possibilidade de o Congresso votar legislação que se sobreponha a essa regulamentação, com outros valores e regras. Mas a probabilidade é baixa", opina o consultor Fernando Mello.
Experiências com o EB-5
Depois de aplicar no EB-5, o brasileiro espera prazo médio de 18 meses por uma resposta da USCIS. Caso aprovado, ele recebe um green card condicional, de duração provisória, que permite que ele se mude com a família para os Estados Unidos.
Dois anos depois, o estrangeiro passa por uma avaliação para ver se cumpre os requisitos do programa —como a geração de dez empregos no empreendimento em que investiu — para que possa ficar definitivamente no país.
Para cada país apto ao programa de investimentos, são destinados 700 vistos EB-5 entre os 10 mil disponíveis —como nem todos os países se aproximam do limite, os vistos remanescentes são redistribuídos. Em alguns casos, a busca pelo programa é tão grande que os investidores aguardam por anos. Na China, por exemplo, a fila de espera chega a 14 anos.
Em junho deste ano, o executivo Murilo Queiroz se mudou para os Estados Unidos junto com a mulher e o filho de 19 anos. Ele fez a inscrição no EB-5 no fim de 2016, alocando US$ 500 mil em construções de hotéis na Flórida. Quase dois anos depois, teve a aprovação para migrar para o país, e agora busca empregos no setor de petróleo e gás.
"(O visto) foi a melhor forma que encontrei para viver legalmente aqui nos Estados Unidos. É um país com imperfeições, mas que oferece enormes possibilidades para imigrantes legais. Na minha área, por exemplo, há muita oferta de emprego, enquanto no Brasil havia poucas", declara.
Em 2014, o empresário André Duek recorreu ao EB-5. Na época, o visto era pouco procurado por brasileiros. Ele foi aprovado para morar legalmente nos EUA a partir de dezembro de 2015. Quase cinco anos depois, recebe anualmente 0,8% de juros pelo investimento de U$ 500 mil em um complexo de galpões industriais na Califórnia.
"O rendimento é muito pouco, não dá para alguém viver com a aplicação do EB-5. É mais para que o estrangeiro consiga vir morar legalmente nos Estados Unidos", diz o empresário, que abriu uma imobiliária e uma locadora de veículos trailer na Flórida.
André já recebeu o green card definitivo, assim como suas duas filhas e a mulher. Em relação ao valor investido no EB-5, ele acredita que terá de volta os US$ 500 mil nos próximos anos.
Mas retorno do recurso aplicado não é garantia para investidores do EB-5, pois se trata de um investimento de risco. Há casos em que o projeto no qual o estrangeiro investiu não prospera, e o investidor perde o valor aplicado e a chance de permanecer nos EUA. "(Por isso), pesquisei muito antes de investir e sabia que o empreendimento no qual apliquei não me daria prejuízo", explica Duek.